Duas crenças fundamentais permeiam nossa visão sobre as armas nucleares
desde o final da 2ª Guerra Mundial; um, que elas foram essenciais ou
pelo menos muito importantes para o fim da guerra e dois, que elas são e
continuarão a ser centrais para a dissuasão.
Essas crenças guiaram, de uma forma ou de outra, todos os nossos pensamentos sobre essas criações míticas.
Ward Wilson, que está no Instituto Monterey de Estudos Internacionais quer destruir esses e outros mitos em relação aos nukes em um novo livro intitulado 5 Myths About Nuclear Weapons
(“5 Mitos Sobre Armas Nucleares”, literalmente). Conheço poucos volumes
que transmitem sua mensagem de maneira tão eficaz em tão poucas
palavras. Abaixo estão os pensamentos de Wilson em relação aos dois
mitos nucleares dominantes, intercalados com alguns dos meus.
“As armas nucleares foram fundamentais para o fim da 2ª Guerra Mundial″.
É aqui que tudo começa.
A racionalização post facto
com certeza apoia a análise; cientistas brilhantes trabalharam em uma
arma terrível durante a corrida contra os nazistas e, quando os nazistas
foram derrotados, entregaram-na aos líderes mundiais que a usaram para
trazer um rápido fim a um conflito ainda mais terrível.
Psicologicamente,
isso se encaixa em uma narrativa nobre e satisfatória. Hiroshima e
Nagasaki se tornaram tão completamente arraigadas em nossas mentes como
símbolos do poder da bomba que nós mal avaliamos se elas realmente
serviram aos propósitos no último meio século.
Em um sentido, os
bombardeios atômicos do Japão ditaram todas as nossas crenças a respeito
de armas de destruição em massa. Nos últimos cinquenta anos, no
entanto, emergiram evidências preocupantes e cada vez mais claras que
agora são suficientemente consistentes para desferir um grande golpe
nesse pensamento.
Ao contrário da crença popular, isso não é
“revisionismo” histórico. Agora os arquivos americanos, soviéticos,
japoneses e britânicos foram liberados a um ponto de nos permitir
analisar os fatos frios e revelar com maior precisão o impacto dos
bombardeios atômicos no Japão sobre a decisão japonesa de encerrar a
guerra. Eles contam uma história muito diferente da narrativa padrão.
Wilson
recorre a minutas detalhadas das reuniões da Equipe Imperial Japonesa
para esclarecer dois pontos. Primeiro, que a bomba não teve uma
influência desproporcional sobre as deliberações e psique dos líderes
japoneses. Segundo, que o que de fato teve um impacto significativo na política japonesa foi a invasão da Manchúria e das Ilha Sacalina pela União Soviética.
Wilson
reproduz as reações dos principais líderes japoneses após o bombardeio
de Hiroshima em 6 de agosto. O esperado seria que eles registrassem
choque e terror, mas vemos pouco disso. Não houve nenhuma grande reunião
convocada após o evento. A maioria dos líderes parecia mostrar uma leve
consternação, mas pouco do terror ou da emoção extrema diante de um
evento capaz de mudar o mundo.
O que de fato emerge do registro é
que esses mesmos homens ficaram extremamente abalados pela declaração
de guerra dos soviéticos em 8 de agosto.
Antes de Hiroshima, os japoneses estavam contemplando duas estratégias de rendição: uma política, uma militar.
A
estratégia militar envolvia jogar até mesmo a pia da cozinha contra os
americanos quando eles invadissem a parte sul do continente japonês,
provocando-lhes tantas perdas que sua vitória seria aparentemente pouco
significativa, no melhor dos casos. Os japoneses buscariam, então, uma
rendição em seus próprios termos.
A estratégia política envolvia a
negociação com os Aliados através de Moscou. Com Hiroshima, essas duas
opções permaneceram abertas já que o exército japonês e suas relações
com os soviéticos ainda estavam intactos. Mas com a invasão soviética ao
norte, a concentração de tropas contra a invasão aliada no sul e a
busca de termos favoráveis de rendição através dos soviéticos
repentinamente se tornaram impossíveis.
Esse golpe duplo convenceu os japoneses de que agora eles tinham que enfrentar a rendição incondicional.
Por
que os japoneses não foram afetados pelo bombardeio de Hiroshima?
Porque, na prática, o bombardeio não pareceu diferente dos implacáveis
ataques que dúzias de grandes cidades japonesas tinham recebido das mãos
dos B-29s de Curtis Le May nos seis meses anteriores. O infame
bombardeio incendiário a Tóquio, em março de 1945, matou ainda mais
civis que a bomba atômica.
Como detalha Ward, não menos de 68
cidades tinham sido submetidas a ataques intensos, e fotos aéreas dessas
cidades são quase indistinguíveis das imagens de Hiroshima. Assim, para
os japoneses, Hiroshima foi apenas mais uma fatalidade em uma longa
lista. A bomba fez pouco para chocá-los ou enfraquecer sua determinação
em continuar a guerra.
Infelizmente, a percepção do bombardeio
de Hiroshima também alimentou a percepção geral em relação a bombardeios
estratégicos. De acordo com o pensamento convencional existente desde
antes da Segunda Guerra Mundial, bombardeios estratégicos podem desferir
um golpe fatal nos recursos morais e estratégicos do inimigo.
Essa
crença foi perpetuada diante de muitas evidências contrárias. Os
bombardeios de Londres, Hamburgo, Dresden e Tóquio tiveram pouco efeito
sobre a moral. Mais tardes, as tolices no Vietnã, Camboja e Laos também
provaram a futilidade dos bombardeios estratégicos para encerrar
guerras. E o mesmo foi verdade sobre Hiroshima.
O ponto
principal, esclarece Ward, é que você não consegue vencer uma guerra
destruindo cidades, porque, no fim das contas, são os exércitos e
recursos militares do inimigo que estão envolvidos na luta, na guerra.
Destruir
cidades pode abalar o inimigo, mas quase nunca é decisivo. Um exemplo
instrutivo é o incêndio provocado em Atlanta, e depois de Richmond
durante a guerra civil americana, quase sem consequencias sobre a
capacidade ou espírito de luta do Sul.
Outro exemplo é a marcha
de Napoleão sobre a Rússia. Depois de tocar fogo em Moscou e destruir
dezenas de cidades na Rússia, Napoleão ainda foi derrotado porque seu exército foi derrotado.
Os
fatos foram convenientemente ignorados diante das crenças sobre
bombardeios, cujo auge pareceu ser a destruição de Hiroshima. Essas
crenças eram, em grande parte, responsáveis pela corrida armamentista e o
desenvolvimento de bombas de hidrogênio estratégicas que eram
expressamente projetadas para aniquilar cidades inteiras.
Tudo o
que esse desenvolvimento fez, porém, foi aumentar o risco de devastação
acidental. Se percebermos que o bombardeio atômico de Hiroshima, e a
destruição geral de cidades tiveram pouca importância para o fim da
Segunda Guerra Mundial, quase tudo que pensamos saber sobre o poder em
questões nucleares é posto em xeque.
“Armas nucleares são essenciais para a dissuasão”.
O
pensamento convencional continua a sustentar que a Guerra Fria
continuou fria graças às armas nucleares. Isso é verdade até certo
ponto. O que não diz é quantas vezes a guerra ameaçou ficar quente.
Documentos liberados agora fornecem amplas evidências de “quase-acidentes” que poderiam ter levado a uma guerra nuclear.
A Crise dos Mísseis de Cuba é apenas o exemplo mais conhecido do quanto as armas nucleares podem desestabilizar o status quo.
Essa crise na verdade é um bom exemplo de como o pensamento
convencional a respeito da dissuasão é falho. A decisão de Kennedy de
bloquear Cuba é frequentemente descrita como um exemplo de leve evolução
e a resolução da crise em si é frequentemente vista como um brilhante
exemplo de como a diplomacia dura pode evitar a guerra.
Mas Ward
toma a posição oposta, escreve que os soviéticos deixaram claro que
qualquer ação tomada contra Cuba provocaria guerra. Dada a natureza do
conflito, quase todo mundo entendeu que “guerra”, nesse caso,
significaria guerra nuclear. Mesmo assim, Kennedy decidiu bloquear Cuba,
a dissuasão não pareceu funcionar para ele. O conjunto de eventos subsequentes levou o mundo mais próximo da devastação nuclear do que pensamos.
Agora
sabemos, havia mais de 150 armas nucleares em Cuba. O arsenal poderia
ter pulverizado a maior parte das regiões leste e centro-oeste dos
Estados Unidos e provocado a morte de dezenas de milhões de americanos.
Uma retaliação subsequente teria provocado ainda mais devastação na
União Soviética, sem mencionar seus países vizinhos.
Além disso,
vários incidentes relativamente menores quase viraram desastres. Cargas
de profundidade lançadas pela Força Aérea dos Estados Unidos contra
submarinos soviéticos submersos, por exemplo, quase fizeram um
comandante de submarino lançar um torpedo nuclear. Quem evitou o
lançamento foi um herói anônimo da crise, chamado Vasili Arkhipov.
Outros
exemplos citados por Ward incluem a perda de um voo de reconhecimento
americano no espaço aéreo soviético, e a consequente batalha entre
aviões americanos e soviéticos.
Poder-se-ia adicionar vários
outros exemplos à lista de “quase desastres”. Mais recentemente, o
exercício Able Archer de 1983 provocou profunda ansiedade e quase
paranoia nos soviéticos.
O fato é que a dissuasão é sempre
mencionada como o principal contra-argumento aos riscos da guerra
nuclear, mas há inúmeros exemplos nos quais líderes políticos decidiram
agravar e provocar o outro lado apesar da dissuasão. Do outro lado da
cerca, parece que a dissuasão acabou por funcionar, mas frequentemente
por uma margem muito pequena.
Adicione-se a isso o fato de que a
vasta rede de comando, centros de controle e protocolos nucleares foi
desenvolvida por nações nucleares comandadas por seres humanos falíveis.
Eles são exemplos de como sistemas complexos estão sujeitos a
“acidentes normais”.
Também não são poucos os eventos durante a
Guerra Fria, onde simples técnicos e oficiais do exército poderiam ter
começado a Terceira Guerra Mundial por causa de cálculos errados, mal
entendidos ou paranoia.
O fato é que essas armas de destruição em
massa têm vida própria; elas estão além das capacidades que os seres
humanos conseguem reunir completamente porque as fraquezas e falhas
humanas também têm vidas próprias.
O futuro
As armas nucleares são frequentemente comparadas a um elefante branco. Uma comparação melhor seria com um T. Rex
gigante. Alguém pode imaginar uma utilidade para essa criatura em
situações extremas, mas em geral ela é apenas muito sensível e
imensamente destrutiva, com poderes prontos para ser liberados sobre o
mundo. Ter essa fera por perto simplesmente não compensa seus supostos
benefícios, especialmente quando a maioria desses benefícios só é
percebida e extrapolada a partir de uma única amostra.
Ainda
assim, continuamos a alimentar essa criatura. Muito progresso foi feito
na redução dos arsenais nucleares das duas superpotências da Guerra
Fria, mas outros aproveitaram a folga e continuaram a perseguir a imagem
e o status – e não a verdadeira capacidade de luta – que eles acreditam
que as armas nucleares lhes conferem.
Atualmente os Estados
Unidos têm cerca de cinco mil armas, incluindo 1700 estratégicas, e
muitas ainda estão prontas para disparo. Isso é um exagero imenso.
Uma
centena de armas, especialmente em submarinos, seria mais que
suficiente em termos de dissuasão. Mais importante que isso: o
verdadeiro elefante na sala é o gasto com manutenção e atualização do
arsenal nuclear dos Estados Unidos; várias estimativas colocam esse
gasto em US$50 bilhões.
Na verdade, os Estados Unidos gastam mais
em armas nucleares atualmente do que durante a Guerra Fria. Em um
período em que a economia ainda está sofrendo e serviços básicos são
continuamente ameaçados, esse tipo de gasto com o que é essencialmente
uma relíquia da Guerra Fria deveria ser inaceitável.
Além disso,
durante a administração Bush, propostas renovadas para munições “de
precisão”, como o famoso RNEP (Penetrador Nuclear Terrestre Robusto, em
tradução literal) ameaçaram diminuir a dificuldade para o uso de armas
nucleares táticas. Análises detalhadas mostraram que a precipitação
nuclear e outros riscos de armas desse tipo superam em muito sua modesta
utilidade.
Mais importante ainda: desde 1980, especialistas
apontam que a tecnologia e as capacidades computacionais agora chegaram a
um ponto que permite que armas de precisão convencional realizem quase
todas as atividades imaginadas para armas nucleares. Os Estados Unidos,
especialmente agora, têm poder de fogo convencional suficiente para se
proteger e destruir quase qualquer país nuclear com uma retaliação
massiva.
O fato é que armas nucleares como instrumentos de
política militar estão quase completamente ultrapassadas, mesmo de um
ponto de vista técnico. Mas até que políticos zelosos e paranoicos do
Congresso, que ainda vivem na Guerra Fria sejam neutralizadosos, a
redução significativa da manutenção do arsenal nuclear não parece
próxima. Felizmente há pedidos renovados pela eliminação dessas armas
ultrapassadas.
O risco do possível uso de armas nucleares por
terroristas pede estratégias completamente novas e não justifica o
crescimento e a preservação de arsenais estratégicos existentes por
parte de estados nucleares novos e aspirantes.
O fato recente
mais chamativo foi a apresentação da proposta bipartidária por Henry
Kissinger, William Perry, Sam Nunn, George Schultz e Sidney Drell,
veteranos em política e especialistas em armas nucleares que pediram a
abolição dessas armas de guerra. Alguns considerariam esse plano uma
utopia, mas não teremos bons resutados se não alterarmos
fundamentalmente nossos pensamentos sobre a guerra nuclear.
Existem
muitas propostas práticas que impediriam a disseminação tanto de armas
quanto de materiais, incluindo o registro cuidadoso do combustível de
reatores por parte de alianças internacionais, a proteção todos os
estoques de urânio e plutônio, e a transformação de urânio armamentista
em combustível para reatores, uma política visionária iniciada na
década de 1990 pelo programa Megatons to Megawatts.
Por fim, como Ward e outros apontaram, as armas nucleares não desaparecerão a menos que as declaremos párias.
Soluções
técnicas, mesmo que sejam numerosas, não serão capazes de fazer com que
as nações abandonem essas armas até que tornemos esses instrumentos
destrutivos fundamentalmente desinteressantes e comecemos a vê-los no
mínimo como dinossauros ultrapassados com uma utilidade tecnológica
completamente obsoleta, e no melhor dos casos como ferramentas imorais e
politicamente inúteis cuja posse estigmatiza seu dono e resulta em
censura e desaprovação internacional.
Esse é outro mito sobre o
qual fala Wilson, o mito de que as armas nucleares vieram para ficar
porque elas “não podem ser desinventadas”.
Wilson
convincentemente argumenta, tecnologias não desaparecem porque são
desinventadas mas simplesmente porque deixam de ser úteis. Uma analogia
seria com cigarros, que já foram vistos como símbolo de status. Os
riscos agora os transformaram em incômodos, no melhor dos casos.
A
estratégia já funcionou no passado, e deve funcionar no futuro. Nós só
podemos progredir quando a tecnologia se tornar desinteressante, tanto
de um ponto de vista puramente técnico, quanto moral e político.
O
segredo para isso é a visão realista do papel desempenhado pela
tecnologia durante sua concepção. No caso das armas nucleares, essa
visão mítica foi criada por Hiroshima. Já está na hora de destruirmos
esse mito.
Na verdade, Ward Wilson fez uma análise profunda do discurso do
Imperador e eu deveria ter mencionado. Ele interpreta a declaração como
um dispositivo para salvar as aparências que permitiu que os japoneses
culpassem uma revolucionária arma nova por sua derrota, em vez de sua
própria instigação da guerra, suas mentiras para seu próprio povo e seu
tratamento cruel de prisioneiros de guerra. Isso os faria ganhar um
pouco mais de simpatia do mundo. Permitiria também que os americanos se
aproveitassem da fama da bomba. Eu concordo com essa interpretação.
Mas
o outro ponto importante é que mesmo que o Imperador de fato tenha
achado que a bomba foi fundamental para o fim da guerra, muitos outros
grandes oficiais japoneses não acharam. O argumento geral de que a bomba
não foi completa e unanimemente vista como a causa da rendição japonesa
ainda é válido.
cogumelo atômico em Hiroshima
Bruno Jun Hashimoto ciências sociais 7ano alfa
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