terça-feira, 28 de maio de 2013

O poder nuclear

Duas crenças fundamentais permeiam nossa visão sobre as armas nucleares desde o final da 2ª Guerra Mundial; um, que elas foram essenciais ou pelo menos muito importantes para o fim da guerra e dois, que elas são e continuarão a ser centrais para a dissuasão.

Essas crenças guiaram, de uma forma ou de outra, todos os nossos pensamentos sobre essas criações míticas.

Ward Wilson, que está no Instituto Monterey de Estudos Internacionais quer destruir esses e outros mitos em relação aos nukes em um novo livro intitulado 5 Myths About Nuclear Weapons (“5 Mitos Sobre Armas Nucleares”, literalmente). Conheço poucos volumes que transmitem sua mensagem de maneira tão eficaz em tão poucas palavras. Abaixo estão os pensamentos de Wilson em relação aos dois mitos nucleares dominantes, intercalados com alguns dos meus.

“As armas nucleares foram fundamentais para o fim da 2ª Guerra Mundial″.

É aqui que tudo começa.

A racionalização post facto com certeza apoia a análise; cientistas brilhantes trabalharam em uma arma terrível durante a corrida contra os nazistas e, quando os nazistas foram derrotados, entregaram-na aos líderes mundiais que a usaram para trazer um rápido fim a um conflito ainda mais terrível.

Psicologicamente, isso se encaixa em uma narrativa nobre e satisfatória. Hiroshima e Nagasaki se tornaram tão completamente arraigadas em nossas mentes como símbolos do poder da bomba que nós mal avaliamos se elas realmente serviram aos propósitos no último meio século.

Em um sentido, os bombardeios atômicos do Japão ditaram todas as nossas crenças a respeito de armas de destruição em massa. Nos últimos cinquenta anos, no entanto, emergiram evidências preocupantes e cada vez mais claras que agora são suficientemente consistentes para desferir um grande golpe nesse pensamento.

Ao contrário da crença popular, isso não é “revisionismo” histórico. Agora os arquivos americanos, soviéticos, japoneses e britânicos foram liberados a um ponto de nos permitir analisar os fatos frios e revelar com maior precisão o impacto dos bombardeios atômicos no Japão sobre a decisão japonesa de encerrar a guerra. Eles contam uma história muito diferente da narrativa padrão.

Wilson recorre a minutas detalhadas das reuniões da Equipe Imperial Japonesa para esclarecer dois pontos. Primeiro, que a bomba não teve uma influência desproporcional sobre as deliberações e psique dos líderes japoneses. Segundo, que o que de fato teve um impacto significativo na política japonesa foi a invasão da Manchúria e das Ilha Sacalina pela União Soviética.

Wilson reproduz as reações dos principais líderes japoneses após o bombardeio de Hiroshima em 6 de agosto. O esperado seria que eles registrassem choque e terror, mas vemos pouco disso. Não houve nenhuma grande reunião convocada após o evento. A maioria dos líderes parecia mostrar uma leve consternação, mas pouco do terror ou da emoção extrema diante de um evento capaz de mudar o mundo.

O que de fato emerge do registro é que esses mesmos homens ficaram extremamente abalados pela declaração de guerra dos soviéticos em 8 de agosto.

Antes de Hiroshima, os japoneses estavam contemplando duas estratégias de rendição: uma política, uma militar.

A estratégia militar envolvia jogar até mesmo a pia da cozinha contra os americanos quando eles invadissem a parte sul do continente japonês, provocando-lhes tantas perdas que sua vitória seria aparentemente pouco significativa, no melhor dos casos. Os japoneses buscariam, então, uma rendição em seus próprios termos.

A estratégia política envolvia a negociação com os Aliados através de Moscou. Com Hiroshima, essas duas opções permaneceram abertas já que o exército japonês e suas relações com os soviéticos ainda estavam intactos. Mas com a invasão soviética ao norte, a concentração de tropas contra a invasão aliada no sul e a busca de termos favoráveis de rendição através dos soviéticos repentinamente se tornaram impossíveis.

Esse golpe duplo convenceu os japoneses de que agora eles tinham que enfrentar a rendição incondicional.

Por que os japoneses não foram afetados pelo bombardeio de Hiroshima? Porque, na prática, o bombardeio não pareceu diferente dos implacáveis ataques que dúzias de grandes cidades japonesas tinham recebido das mãos dos B-29s de Curtis Le May nos seis meses anteriores. O infame bombardeio incendiário a Tóquio, em março de 1945, matou ainda mais civis que a bomba atômica.

Como detalha Ward, não menos de 68 cidades tinham sido submetidas a ataques intensos, e fotos aéreas dessas cidades são quase indistinguíveis das imagens de Hiroshima. Assim, para os japoneses, Hiroshima foi apenas mais uma fatalidade em uma longa lista. A bomba fez pouco para chocá-los ou enfraquecer sua determinação em continuar a guerra.

Infelizmente, a percepção do bombardeio de Hiroshima também alimentou a percepção geral em relação a bombardeios estratégicos. De acordo com o pensamento convencional existente desde antes da Segunda Guerra Mundial, bombardeios estratégicos podem desferir um golpe fatal nos recursos morais e estratégicos do inimigo.

Essa crença foi perpetuada diante de muitas evidências contrárias. Os bombardeios de Londres, Hamburgo, Dresden e Tóquio tiveram pouco efeito sobre a moral. Mais tardes, as tolices no Vietnã, Camboja e Laos também provaram a futilidade dos bombardeios estratégicos para encerrar guerras. E o mesmo foi verdade sobre Hiroshima.

O ponto principal, esclarece Ward, é que você não consegue vencer uma guerra destruindo cidades, porque, no fim das contas, são os exércitos e recursos militares do inimigo que estão envolvidos na luta, na guerra.

Destruir cidades pode abalar o inimigo, mas quase nunca é decisivo. Um exemplo instrutivo é o incêndio provocado em Atlanta, e depois de Richmond durante a guerra civil americana, quase sem consequencias sobre a capacidade ou espírito de luta do Sul.

Outro exemplo é a marcha de Napoleão sobre a Rússia.  Depois de tocar fogo em Moscou e destruir dezenas de cidades na Rússia, Napoleão ainda foi derrotado porque seu exército foi derrotado.

Os fatos foram convenientemente ignorados diante das crenças sobre bombardeios, cujo auge pareceu ser a destruição de Hiroshima. Essas crenças eram, em grande parte, responsáveis pela corrida armamentista e o desenvolvimento de bombas de hidrogênio estratégicas que eram expressamente projetadas para aniquilar cidades inteiras.

Tudo o que esse desenvolvimento fez, porém,  foi aumentar o risco de devastação acidental. Se percebermos que o bombardeio atômico de Hiroshima, e a destruição geral de cidades tiveram pouca importância para o fim da Segunda Guerra Mundial, quase tudo que pensamos saber sobre o poder em questões nucleares é posto em xeque.

  “Armas nucleares são essenciais para a dissuasão”.

O pensamento convencional continua a sustentar que a Guerra Fria continuou fria graças às armas nucleares. Isso é verdade até certo ponto. O que não diz é quantas vezes a guerra ameaçou ficar quente.

Documentos liberados agora fornecem amplas evidências de “quase-acidentes” que poderiam ter levado a uma guerra nuclear.

A Crise dos Mísseis de Cuba é apenas o exemplo mais conhecido do quanto as armas nucleares podem desestabilizar o status quo. Essa crise na verdade é um bom exemplo de como o pensamento convencional a respeito da dissuasão é falho. A decisão de Kennedy de bloquear Cuba é frequentemente descrita como um exemplo de leve evolução e a resolução da crise em si é frequentemente vista como um brilhante exemplo de como a diplomacia dura pode evitar a guerra.

Mas Ward toma a posição oposta, escreve que os soviéticos deixaram claro que qualquer ação tomada contra Cuba provocaria guerra. Dada a natureza do conflito, quase todo mundo entendeu que “guerra”, nesse caso, significaria guerra nuclear. Mesmo assim, Kennedy decidiu bloquear Cuba, a dissuasão não pareceu funcionar para ele. O conjunto de eventos subsequentes levou o mundo mais próximo da devastação nuclear do que pensamos.

Agora sabemos, havia mais de 150 armas nucleares em Cuba. O arsenal poderia ter pulverizado a maior parte das regiões leste e centro-oeste dos Estados Unidos e provocado a morte de dezenas de milhões de americanos. Uma retaliação subsequente teria provocado ainda mais devastação na União Soviética, sem mencionar seus países vizinhos.

Além disso, vários incidentes relativamente menores quase viraram desastres. Cargas de profundidade lançadas pela Força Aérea dos Estados Unidos contra submarinos soviéticos submersos, por exemplo, quase fizeram um comandante de submarino lançar um torpedo nuclear. Quem evitou o lançamento foi um herói anônimo da crise, chamado Vasili Arkhipov.

Outros exemplos citados por Ward incluem a perda de um voo de reconhecimento americano no espaço aéreo soviético, e a consequente batalha entre aviões americanos e soviéticos. 

Poder-se-ia adicionar vários outros exemplos à lista de “quase desastres”. Mais recentemente, o exercício Able Archer de 1983 provocou profunda ansiedade e quase paranoia nos soviéticos.

O fato é que a dissuasão é sempre mencionada como o principal contra-argumento aos riscos da guerra nuclear, mas há inúmeros exemplos nos quais líderes políticos decidiram agravar e provocar o outro lado apesar da dissuasão. Do outro lado da cerca, parece que a dissuasão acabou por funcionar, mas frequentemente por uma margem muito pequena.

Adicione-se a isso o fato de que a vasta rede de comando, centros de controle e protocolos nucleares foi desenvolvida por nações nucleares comandadas por seres humanos falíveis. Eles são exemplos de como sistemas complexos estão sujeitos a “acidentes normais”.

Também não são poucos os eventos durante a Guerra Fria, onde simples técnicos e oficiais do exército poderiam ter começado a Terceira Guerra Mundial por causa de cálculos errados, mal entendidos ou paranoia.

O fato é que essas armas de destruição em massa têm vida própria; elas estão além das capacidades que os seres humanos conseguem reunir completamente porque as fraquezas e falhas humanas também têm vidas próprias.

O futuro

As armas nucleares são frequentemente comparadas a um elefante branco. Uma comparação melhor seria com um T. Rex gigante. Alguém pode imaginar uma utilidade para essa criatura em situações extremas, mas em geral ela é apenas muito sensível e imensamente destrutiva, com poderes prontos para ser liberados sobre o mundo. Ter essa fera por perto simplesmente não compensa seus supostos benefícios, especialmente quando a maioria desses benefícios só é percebida e extrapolada a partir de uma única amostra.

Ainda assim, continuamos a alimentar essa criatura. Muito progresso foi feito na redução dos arsenais nucleares das duas superpotências da Guerra Fria, mas outros aproveitaram a folga e continuaram a perseguir a imagem e o status – e não a verdadeira capacidade de luta – que eles acreditam que as armas nucleares lhes conferem.

Atualmente os Estados Unidos têm cerca de cinco mil armas, incluindo 1700 estratégicas, e muitas ainda estão prontas para disparo. Isso é um exagero imenso.

Uma centena de armas, especialmente em submarinos, seria mais que suficiente em termos de dissuasão. Mais importante que isso: o verdadeiro elefante na sala é o gasto com manutenção e atualização do arsenal nuclear dos Estados Unidos; várias estimativas colocam esse gasto em US$50 bilhões.

Na verdade, os Estados Unidos gastam mais em armas nucleares atualmente do que durante a Guerra Fria. Em um período em que a economia ainda está sofrendo e serviços básicos são continuamente ameaçados, esse tipo de gasto com o que é essencialmente uma relíquia da Guerra Fria deveria ser inaceitável.

Além disso, durante a administração Bush, propostas renovadas para munições “de precisão”, como o famoso RNEP (Penetrador Nuclear Terrestre Robusto, em tradução literal) ameaçaram diminuir a dificuldade para o uso de armas nucleares táticas. Análises detalhadas mostraram que a precipitação nuclear e outros riscos de armas desse tipo superam em muito sua modesta utilidade.

Mais importante ainda: desde 1980, especialistas apontam que a tecnologia e as capacidades computacionais agora chegaram a um ponto que permite que armas de precisão convencional realizem quase todas as atividades imaginadas para armas nucleares. Os Estados Unidos, especialmente agora, têm poder de fogo convencional suficiente para se proteger e destruir quase qualquer país nuclear com uma retaliação massiva.

O fato é que armas nucleares como instrumentos de política militar estão quase completamente ultrapassadas, mesmo de um ponto de vista técnico. Mas até que políticos zelosos e paranoicos do Congresso, que ainda vivem na Guerra Fria sejam neutralizadosos, a redução significativa da manutenção do arsenal nuclear não parece próxima. Felizmente há pedidos renovados pela eliminação dessas armas ultrapassadas.

O risco do possível uso de armas nucleares por terroristas pede estratégias completamente novas e não justifica o crescimento e a preservação de arsenais estratégicos existentes por parte de estados nucleares novos e aspirantes.

O fato recente mais chamativo foi a apresentação da proposta bipartidária por Henry Kissinger, William Perry, Sam Nunn, George Schultz e Sidney Drell, veteranos em política e especialistas em armas nucleares que pediram a abolição dessas armas de guerra. Alguns considerariam esse plano uma utopia, mas não teremos bons resutados se não alterarmos fundamentalmente nossos pensamentos sobre a guerra nuclear.

Existem muitas propostas práticas que impediriam a disseminação tanto de armas quanto de materiais, incluindo o registro cuidadoso do combustível de reatores por parte de alianças internacionais, a proteção todos os estoques  de urânio e plutônio, e a transformação de urânio armamentista em combustível para reatores, uma política visionária iniciada na década de 1990 pelo programa Megatons to Megawatts.
Por fim, como Ward e outros apontaram, as armas nucleares não desaparecerão a menos que as declaremos párias.

Soluções técnicas, mesmo que sejam numerosas, não serão capazes de fazer com que as nações abandonem essas armas até que tornemos esses instrumentos destrutivos fundamentalmente desinteressantes e comecemos a vê-los no mínimo como dinossauros ultrapassados com uma utilidade tecnológica completamente obsoleta, e no melhor dos casos como ferramentas imorais e politicamente inúteis cuja posse estigmatiza seu dono e resulta em censura e desaprovação internacional.

Esse é outro mito sobre o qual fala Wilson, o mito de que as armas nucleares vieram para ficar porque elas “não podem ser desinventadas”.

Wilson convincentemente argumenta, tecnologias não desaparecem porque são desinventadas mas  simplesmente porque deixam de ser úteis. Uma analogia seria com cigarros, que já foram vistos como símbolo de status. Os riscos agora os transformaram em incômodos, no melhor dos casos.

A estratégia já funcionou no passado, e deve funcionar no futuro. Nós só podemos progredir quando a tecnologia se tornar desinteressante, tanto de um ponto de vista puramente técnico, quanto moral e político.

O segredo para isso é a visão realista do papel desempenhado pela tecnologia durante sua concepção. No caso das armas nucleares, essa visão mítica foi criada por Hiroshima. Já está na hora de destruirmos esse mito.
 Na verdade, Ward Wilson fez uma análise profunda do discurso do Imperador e eu deveria ter mencionado. Ele interpreta a declaração como um dispositivo para salvar as aparências que permitiu que os japoneses culpassem uma revolucionária arma nova por sua derrota, em vez de sua própria instigação da guerra, suas mentiras para seu próprio povo e seu tratamento cruel de prisioneiros de guerra. Isso os faria ganhar um pouco mais de simpatia do mundo. Permitiria também que os americanos se aproveitassem da fama da bomba. Eu concordo com essa interpretação.

Mas o outro ponto importante é que mesmo que o Imperador de fato tenha achado que a bomba foi fundamental para o fim da guerra, muitos outros grandes oficiais japoneses não acharam. O argumento geral de que a bomba não foi completa e unanimemente vista como a causa da rendição japonesa ainda é válido.                                                             

cogumelo atômico em Hiroshima                            
Bruno Jun Hashimoto      ciências sociais 7ano alfa 

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